O presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Marcos Troyjo, entidade criada no âmbito do Brics – grupo formado por África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia –, disse hoje (16), durante audiência no Senado, que o momento atual representa “um novo capítulo da globalização” que favorecerá significativamente países emergentes, em especial o Brasil, por meio do agronegócio e dos financiamentos em infraestrutura.

Segundo ele, já há elementos e projeções econômicas que mostram essa tendência. Falando via online, de Xangai (China) à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Troyjo começou o discurso dizendo que a atual geração é “testemunha secular” de uma “mudança nas placas tectônicas da economia global”, o que criará “janelas de oportunidades inéditas” para o Brasil e para países que têm as características dos nossos vizinhos na América do Sul.

“Tenho certeza de que, quando os historiadores do futuro olharem esse momento que vivemos agora, vão achar que os anos de 2020 e 2021 realmente representaram divisão de águas e início de uma nova era; de um novo capítulo da globalização”, disse.

“Digo isso porque, se somarmos o PIB medido pelo poder de paridade de compra do chamado G7, que são as sete economias mais maduras (EUA, Japão, Alemanha, Franca, Reino Unido, Itália e Canadá), esse total combinado dá algo como US$ 42 trilhões. Agora, se somarmos o que chamo de E7, que é o PIB das sete maiores economias emergentes do mundo (China, Índia, Rússia, Brasil, Indonésia, México e Turquia), veremos uma soma de US$ 53 trilhões de PIB combinado. Ou seja, hoje os sete maiores emergentes têm PIB maior, em termos de paridade de compra, do que o G7”, argumentou.

Novos mercados

Troyjo acrescentou que essa mudança geoeconômica global vai trazer uma série de implicações que já podem ser observadas do ponto de vista comercial. “Nos últimos 12 meses, um país como o Brasil exportou mais para Singapura do que para a Alemanha; mais para a Tailândia do que para a França; mais para a Malásia do que para a Itália; mais para Hong Kong do que para a Inglaterra; mais para Bangladesh do que para Austrália, Áustria e Israel juntos. Ou seja, realmente é uma ascensão dos emergentes que não pode ser negada. Isso acontece de maneira muito forte”, detalhou.

Segundo ele, isso vai gerar possibilidades como há muito não se via para países como os da América do Sul. Muito disso tem a ver com o crescimento acelerado de países com grande território e de grande contingente populacional, como é o caso dos sócios no Brics e de outros emergentes com grandes populações.

Outro fenômeno associado a esses “novos centros de grande demanda global” citados pelo presidente do banco, que foi criado pelos Brics, está relacionado à reconfiguração das redes globais de valor, fenômeno que vai além das redes de suprimentos e envolve novas correntes de comércio e investimento.

Demanda

Troyjo citou estudos do banco prevendo que, nos próximos dez anos, a China gastará US$ 25 trilhões em importações. Nesse contexto, o Brasil poderá ser muito beneficiado, já que detém, atualmente, cerca de 4% de tudo que a China compra do mundo, o que pode representar para o Brasil algo como US$ 100 bilhões em exportações a cada ano.

Nesse sentido, o setor do agronegócio terá muito a lucrar. “Na medida em que países de grande contingente populacional têm aumento significativo de renda, e como eles partem de patamares de renda razoavelmente baixos, quando a renda incrementa é natural que essa renda seja destinada sobretudo ao consumo de calorias, alimentos e a investimentos em infraestrutura”, disse.

“Isso significa que estamos vendo uma mudança dramática da curva de demanda no mundo. Não é apenas uma questão de ciclo de commodities ou de matérias primas. É algo estrutural que vai favorecer sobremaneira os países sul-americanos e, particularmente, o Brasil”, disse.

Infraestrutura

Troyjo acrescentou que uma “outra característica desse mundo que está descortinando” é, na realidade, “um grande paradoxo”, porque apresenta uma espécie de “desmassificação da economia”, com maior presença de tecnologias, aumento da expectativa média de vida, e uma “maior incerteza no ar”.

“Há portanto um estoque de liquidez e de poupança global que é de grande monta. Há um grande número de recursos disponíveis no mundo e, por outro lado, temos uma espécie de pequena oferta de grandes oportunidades e de grandes projetos que possam absorver [esses recursos], sobretudo do ponto de vista da infraestrutura. Precisamos construir pontes e dutos para conectar projetos que sejam bancáveis e lucrativos no longo prazo, e que mudem a sociedade com esses recursos que estão disponíveis”, completou.

Ele lembrou que o Brics criou o NDB há apenas seis anos. “Éramos apenas um pedaço de papel e hoje temos uma carteira de projetos aprovados. São cerca de 80 projetos na casa de R$ 160 bilhões. É nesse novo banco de desenvolvimento que o Brasil tem sua maior fatia acionária, entre todos os bancos multilaterais de desenvolvimento. O Brasil é dono de 20% do NDB, e já detém R$ 17 bilhões aprovados e prontos para investimentos no país, além da possibilidade de aprovação, pelo banco, de mais R$ 6 bilhões em 2022 para investimentos em infraestrutura”.

Novos membros

O presidente do NDB defendeu a entrada dos países vizinhos do Brasil como membros do NDB, de forma a ampliar os investimentos na região. Dessa forma, disse ele, a América do Sul terá melhores condições de integrar infraestruturas, a exemplo do que já foi feito, há muito tempo, entre os países europeus.

“O aspecto mais importante da integração é a integração infraestrutural, a exemplo do que já foi feito na União Europeia. Isso, na América do Sul, ainda precisa ser feito. É o caso da integração do Atlântico com o Pacífico, por exemplo. Isso se faz necessário. Nesse aspecto, esse desafio da conjunção dos interesse entre o Brasil e seus vizinhos é fundamental”, disse.

Vários embaixadores estrangeiros participaram da audiência, concordando com a necessidade de ligação de infraestruturas na região e pedindo ações do banco para essa integração. Ao lado dos Emirados Árabes e de Bangladesh, o Uruguai é um dos países que já estão em processo de integração para se tornarem também membros do banco.

O embaixador do Uruguai no Brasil, Guillermo Valles, disse que seu país sempre atuou pela construção de sistemas multilaterais, tanto no âmbito financeiro como comercial.

“O Uruguai quer participar também dessa integração. Estamos muito atentos a essas mudanças históricas [citadas por Troyjo]. A infraestrutura é a pedra fundamental para mudar a matriz produtiva dos países, trazendo produtividade e empregos de curto a longo prazos. As Nações Unidas já disseram que a falta de infraestrutura é o principal problema para os países atingirem os objetivos de desenvolvimento sustentável, e esse novo banco vem se inserir justamente aí. Parabéns por isso”, disse.

Debate histórico

Em sua participação final na audiência, o presidente do NDB disse que o debate de hoje com senadores e diplomatas foi “histórico” para a relação do novo banco de desenvolvimento com o Brasil: “é a primeira vez que fazemos uma apresentação tão pormenorizada e cobrindo tantos aspectos da nossa operação, junto ao parlamento brasileiro”.

“O fato de o Brasil ter no banco seu principal patrimônio acionário é algo que provavelmente vai mudar a história do Brasil, daqui por diante. Mais do que um banco ou uma organização internacional, o NDB é um símbolo do poder da cooperação internacional, na tentativa de preencher essa grande lacuna que temos nos países emergentes, que é da infraestrutura e do desenvolvimento sustentável”, completou.

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